Médico preso no Egito e sexismo cross cultural

Tânia Braga Guimarães
3 min readJun 1, 2021

Ando vivendo um dia de cada vez, e fazendo minhas coisas num silêncio profundo. Vejo as notícias superficialmente e tenho lido muito pouco o que se publica nas redes.

Eis que tô pegando no ar a questão de um médico preso no Egito e a notícia me chamou a atenção porque estar preso, em qualquer outro país, com outras leis é sempre um grande enrosco.

Aí quando finalmente atentei para quem é, Vitor Sorrentino. Eu conhecia superficialmente. Percebia muito famoso e aparentemente um cara legal. Pois bem. Aí fui ver o que ocorreu… Acusado de assediar uma muçulmana com comentários “mais duro”… “Mais longo” sobre os papiros que ela expunha. Linguagem dúbia, de duplo sentido. Ele está se defendendo com “foi apenas uma piada”.

É. Meu caro. Este é o problema de muitos brasileiros que acham que são os donos do mundo. Visitam outros países. Se queimam ou se colocam em situações perigosas.

Eu fico pensando como que um cara, médico, frequentador da high society, sim, médicos vivem num mundo diferente em termos de… tudo. Como ele não se dá conta de que a cultura egípcia é completamente diferente da nossa? Como chega num país sem ter estudado comportamentos? Como não sabe que os jovens de lá seguem as tradições, se casam virgens, sexo é tabu, sim, e mais um tanto de outras diferenças porque são muçulmanos, etc.

Onde está com a cabeça uma pessoa com este nível de acesso cultural, chegar em outro país como um elefante numa loja de cristais, levando a piada, o deboche, as insinuações que inclusive não cabem nem mesmo em muitos lugares do Brasil?

O pior de tudo é que ele é reincidente. Em 2014, na Austrália, ele fez uma moça repetir “vou transar muito com ele, e depois despachá-la”. A garota ria muito, sem graça, sem saber o que dizia.

Me faz pensar que os brasileiros vão ao exterior com a lógica “tô pagano”, bordão da personagem no Zorra Total. Se estou pagando, tudo posso. Se estou pagando, posso expor as pessoas que me servem ao ridículo.

Certa vez, em Recife, a funcionária de um hotel nos contou que ouvia muitas pessoas do Sul, debatendo política e falando mal do Lula. Ela era a garçonete, servia e ouvia. E os “tô pagano” emitindo suas opiniões, que independe de certas ou erradas, prevaleciam pela lógica do “tô pagano”. Eu falo. Você escuta. Você, subalterno, escuta eu despejar minha cultura, minha não cultura, minha ignorância, meus recalques, porque “tô pagano” e tudo posso. Sem considerar que, para ela, ele era muito bom.

Quando viajei por muitos lugares, eu prestava muita atenção na interação com as pessoas. Conversava sobre o local, sobre a vida, descobria coisas maravilhosas. Ainda assim, encontrei um guardinha que queria mostrar serviço e veio me mandar sentar diferente. Eu estava sentada em posição de lótus, numa boa, numa área externa, num local nada formal. Não havia nenhum tipo de ofensa e era uma cultura ocidental. Mesmo assim, uma voz na minha cabeça e lembrou que eu estava num país diferente e que, enfrentar por enfrentar, poderia não ser bom. Descruzei as pernas. E deixei a energia passar. Deixei a energia da ignorância passar. Gente de farda quer ser obedecida não importa muito se com razão ou sem razão. Se fosse um homem, sentado da mesma maneira, será que o guarda haveria abordado?

Enfim. As mulheres são muito desrespeitadas no normal. Apenas por nascerem e respirarem. Aí um indivíduo da high society, com acesso a tudo, vai lá, — com certeza a vida em outros países não é nada fácil para estas mulheres — e leva um machismo, um sexismo, disfarçado de graça e alegria brasileira.

Tudo veio à tona porque ele expôs o gracejo para seu um milhão de seguidores no Instagram. A gracinha exposta ficou de prova para seu julgamento. Está lá respondendo ainda.

Se eu estivesse no Egito, estaria observando as pirâmides. Estaria usufruindo, sem expor minha ignorância.

Como o que ele fez em 2014 não teve consequências, parece que a lição teve que se repetir em 2021.

Não há graça nenhuma.

Espero que aprenda, dessa vez.

Tânia Braga

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Tânia Braga Guimarães

Consciousness Facilitator. Phd in Languages Studies. Buddhist inside. Crazy outside. Dreamer. Can call me Taniá. Facilitadora de Consciência.